No dia 7 de setembro de 1822, o Brasil celebrou sua Independência em relação a Portugal, um marco que simbolizou a autonomia do povo brasileiro. No entanto, passados 202 anos deste evento histórico, representantes indígenas e especialistas ouvidos pela Agência Brasil ressaltam que essa independência não se estendeu aos povos originários.
Paulo Tupiniquim, coordenador-geral da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), afirma: “A independência proclamada não significou liberdade para os povos indígenas, pois as perseguições, a escravização e a invasão de seus territórios continuaram”. Ele destaca que, até a Independência e mesmo após, os direitos indígenas não eram reconhecidos na Constituição.
A atuação da Apoinme abrange mais de 213 mil indígenas em dez estados brasileiros, incluindo Alagoas, Bahia e Ceará. O jornalista Erisvan Guajajara, fundador do coletivo Mídia Indígena, complementa: “A liberdade chegou para muitos, mas os povos indígenas ainda lutam por ela. Desde a invasão europeia, nossos povos e territórios nunca foram verdadeiramente livres”.
Fernanda Kaingáng, diretora do Museu Nacional dos Povos Indígenas, é direta ao afirmar que a importância dos povos originários foi ignorada durante o processo de Independência. “O Brasil ainda mantém práticas colonialistas que negam direitos aos indígenas”, observa, enfatizando a falta de mecanismos de reparação pelos crimes cometidos contra os primeiros habitantes do país.
O Apagamento e a Resistência
Historicamente, não havia uma contagem oficial da população indígena até o censo de 1991, que revelou uma drástica redução dessa população ao longo dos séculos. Em 2022, o número de indígenas saltou para 1,7 milhão, representando 0,83% da população brasileira. Erisvan destaca que, além da luta pela independência, os povos originários enfrentaram tentativas de apagamento cultural.
“Ao longo dos séculos, nossas culturas e saberes foram desvalorizados para justificar nosso extermínio”, lamenta. Ele menciona que, das aproximadamente 1,4 mil línguas faladas na época do descobrimento, restam apenas 274.
A professora Vânia Maria Losada Moreira, da UFRRJ, ressalta que a população indígena no início do século XIX era diversa e que a Independência não teve um impacto positivo para muitos grupos. “Para aqueles que viviam isolados, a Independência não significou nada”, explica, lembrando que a violência contra os indígenas continuou após 1822.
A Luta Contemporânea e os Desafios Legais
A Constituição de 1988 foi um marco importante, reconhecendo os direitos dos povos indígenas. No entanto, Paulo Tupiniquim alerta que ameaças persistem. “As invasões e assassinatos continuam”, afirma, referindo-se a discussões sobre o marco temporal, que limita os direitos territoriais indígenas.
Fernanda Kaingáng e Vânia Moreira criticam a presença de invasores nas terras indígenas e a falta de respeito à soberania desses povos. Tupiniquim conclui: “A verdadeira libertação só ocorrerá quando nossos territórios forem demarcados e nossas lideranças reconhecidas”.
Erisvan Guajajara acredita que a comunicação é uma ferramenta vital para valorizar as identidades indígenas. “Quando as pessoas conhecem nossa forma de viver em harmonia com a natureza, entendem o quanto somos essenciais para a manutenção da vida na Terra”, finaliza.
A luta pela verdadeira independência dos povos indígenas continua, demandando reconhecimento, respeito e reparação por parte do Estado e da sociedade.
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